Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)

quarta-feira, setembro 21, 2005

depois da meia-noite

estava à janela, era já muito tarde, um pássaro a fazer barulho na varanda de cima, uma gaiola, imagino, o maço de cigarros em cima do estendal da roupa, uma flor amarelecida, o isqueiro, perco sempre o isqueiro, um pássaro a fazer barulho, capaz de acordar a vizinhança toda, se fosse eu a ouvir música já a velha do lado, toc toc toc, já a brasileira da frente, esse tarado, estava à janela, era já muito tarde.

estava à janela, pensava em poemas e em filmes franceses, daqueles filmes em que as personagens andam devagar por corredores e comem frutos sumarentos, o maço de cigarros em cima do estendal, um livro caído no chão, a roupa desarrumada, a televisão ligada sem que eu olhe, alguém que fala muito devagar, numa língua que não entendo, um homem que se passeia na rua, quando é que começará a chover a sério, coço a cabeça, estava à janela, pensava em poemas e em filmes franceses.

estava à janela, a camisa com todos os botões abertos, a dar voltas ao pescoço como quem precisasse de olhar para todas as paredes, em cima da mesa uns cadernos, uns infernos, umas mãos abertas deitas de pedra, o maço de cigarros em cima do estendal, o isqueiro, o isqueiro, uma ambulância silenciosa, os meus olhos a ficar azuis, a minha cabeça em filmes de línguas que eu não entendo, actrizes francesas a andar devagar por corredores, alguém que me coçasse as costas, me acariciasse, estava à janela, a camisa com todos os botões abertos.

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