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sexta-feira, março 25, 2005

o escritor

algures numa secretária, numa morada exacta e passível de ser contactado por meio postal, um escritor encurva-se perante o teclado do computador e esforça-se para mantes os seus leitores ocupados. é isto que eu imagino, esta noite. algures numa secretária, curvado e com dores nas costas, horas e horas sentado em frente ao já tantas vezes maldito teclado, o escritor não dá descanso a nenhum dos seus leitores. não dá descanso, nem descansa.

deve ter um leitor de cd's ligado a passar uma qualquer música calma, é isso que toda a gente pensa dos escritores. que estão curvados e ouvem músicas calmas. eles, para que as pessoas da rua não estranhem, mantém aspectos respeitáveis e vestem casacos e camisas abotoadas até ao pescoço. se aparecem em fotografias de jornais, tentam ter caras sérias e não magoar sentimentos. em casa, frente à secretária, esforçam-se por não dar descanso aos seus leitores. e escrevem, escrevem durante horas, sem descansar.

o cinzeiro está limpo, o escritor não fuma. tem, na cozinha, uma caixa onde guarda as garrafas de cerveja, que também está vazia. o escritor decidiu não beber. cria-se assim uma disciplina invisível dentro da cabeça do escritor, dentro do corpo do escritor. divide-se em leituras de filosofias intricadas e análises de sangue. em frente à secretária, com dores nas costas ou dores nos rins, o escritor esforça-se, escreve e escreve, para guardar dentro de cadernos que hão-de ficar para os seus leitores. sem ter descanso, para não lhes dar descanso. o escritor.

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