Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)

sábado, janeiro 08, 2005

diz-me ficar

posso escrever histórias, mas não posso fazer a história. conto com os meus dedos os dias que passam devagar. lá fora, crianças chutam numa bola meio vazia, gritando golos pela tarde que se estende na corda da roupa. tenho a mesa cheia de canetas, papéis riscados. posso saber como se imita uma palavras, mas não serei capaz de fazer uma. estou comprimido pelo mundo, nesta sala demasiado pequena para voar. mesmo que tivesse asas.

posso chamar-me grande, mas não sei como me fazer crescer. todo o meu tempo é ocupado a escavar-me do chão, a destapar as pernas, os meus pés que desconheço. ir, sim, mas até onde? lá fora, uma menina senta-se diariamente numa mesa da biblioteca, espalha cadernos e livros e máquinas de calcular por uma mesa, estuda fórmulas que lhe garantem algum tipo de ciência. eu olhos as palavras, interrogo-as. mas como posso transmitir o que me dizem elas? mesmo que tivesse voz.

posso dizer posso, mas não posso encontrar o poder da afirmação. penso em igrejas cheias de caras feias, caras más que me apontam os dedos, que falam de mim nas minhas costas, na minha cara, nas minhas lágrimas. penso em manhãs de domingo, no frio que me faz arrepiar a pele, o corpo gordoroso e inquieto, triste, demasiado triste. posso olhar as folhas, será que posso? este aqui na sala sou eu, a pensar por antecipação todos os dias que me faltam aqui ficar. preso?


Sem comentários: