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terça-feira, novembro 16, 2004

didáctica da escrita- um plano

entretanto, começaram a perguntar-me se aquilo que eu escrevia já tinha, alguma vez, acontecido mesmo comigo. a minha primeira reacção é o silêncio. tenho sempre a necessidade de acreditar que, naquele momento, vou dar uma resposta totalmente original. ou melhor, tenho a certeza que não sei o que dizer e por isso, não digo nada por uns segundos, como que à espera de que aquela pergunta se vá embora. mas a pergunta fica. começaram a perguntar-me isso há muito tempo, quando eu ainda não escrevia. o que não deixava de ser estranho.

talvez se deva então à antiguidade da pergunta que eu nunca pûs a hipótese de deixar de escrever quando me a fazem. depois do silêncio, balbucio umas quaisquer palavras, meio à sorte, sem convicção. a maior parte das vezes garanto que nada do que escrevo aconteceu comigo. nada, de certeza. outras, acredito que sim, que a minha vida não é a vida desinteressante de um solitário sentado em frente a uma secretária, com a televisão ligada num programa mau. que a minha vida são todas as coisas terríveis que acontecem às pessoas que habitam os meus textos. de uma ou de outra maneira, sem convicção.

mas depois também que interesse poderia ter alguém que levasse uma vida cheia de aventuras a inventar como personagem um escritor gordo e solitário? provavelmente nenhum. é uma das coisas que as pessoas cheias de aventuras não fazem, perder tempo com coisas desinteressantes. então ando eu a correr pelos campos e encontro alguém que me pergunta pelo escritor gordo. eu sorrio, calado, e conto uma história, para distrair o oponente. noutras vezes, quando não me perguntam nada, eu chego até a acreditar que o escritor deixou de existir. mas assim ficaria sem ter o que viver.

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