Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)

quarta-feira, outubro 20, 2004

paragem de autocarro

ele dizia que estava cansado da vida, tudo bem, podemo-nos cansar de muitas coisas, da vida também, é claro, mas ele estava sempre a repetir-se, a dizer o mesmo, a pensar nas mesmas coisas, e claro, acaba por se cansar ainda mais da vida e tudo e de mais alguma coisa que aparecesse. ele era assim. muita gente lhe dizia que ele tinha que mudar. outros, menos radicais, mantinham-no sentado.

ele andava sempre vestido de encarnado, dizia que assim espantava o mal, que era para correr menos perigos. os amigos dele aceitavam a extravagância, vá-se lá saber o que esperar de um louco a quem se nega uma vontade. embora aquela cor lhe trouxesse, muitas vezes, amargos de boca, parecia ser a única coisa que o fazia sentir bem. de encarnado, eu engano o meu destino, sussurrava ele. enquanto não aparecer um touro, pensavamos nós.

a última dele foi pensar que poderia ir a pé até a qualquer ponto do mundo. bem, a última, espalhada pelo tempo, se bem me compreendem. começou por ir a pé ao supermercado, depois a uma cidade próxima. cada semana tentava chegar mais longe. para lá, ia a pé. comprovado o desafio, voltava de autocarro. quando o conseguio fazer até espanha, começamos a ficar preocupados. onde é que isto vai acabar, perguntávamos uns aos outros. ele sempre a tentar ir mais longe, até que desapareceu. onde é que foi? a algum sítio onde não existem autocarros.

1 comentário:

Anónimo disse...

sabes? apesar de andar um pouco (bastante!) ausente n me esqueci de nada... e contínuo a procurar-te nas tuas palavras.

rakyel