Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)

sexta-feira, setembro 24, 2004

depois do amor, só mesmo o amor

do lado de dentro do amor, uma rixa entre nós dois assombra-nos o acordar todas as manhãs. serás tu, serás tu? algo muito pior do que os pesadelos, algo muito mais pesado do que todas as contas para pagar sempre que tocam à campaínha e dizem, correio. do lado de dentro do amor, aquele lado onde nunca ninguém nos perguntou, juntos para sempre, onde há tempestado seja inverno, seja verão.
dói-me a cabeça quando são três da manhã e me apercebo que tens o rádio ligado e os óculos caídos para o lado de lá da cama. dói-me a cabeça e, já agora, o corpo todo, de estar assim a fazer medições inconscientes para não te tocar nesse teu sono de cristal. todo o mal-estar é uma forma de se estar. sim, mas a mim custa-me este pijama mais quente quando ainda há calor lá fora, só para não sentir a tua pele a suar contra a minha e o nojo que isso me dá se acordo às três da manhã, os óculos caídos.
porque a ti ainda te resta a ideia de que a poesia são só palavras, mas a mim falta-me tudo. se me ouvisses, ias voltar a dizer, exagerada, minha querida, és uma exagerada, recorrendo àquela voz de colégio inglês que passaste a usar para mim muitos anos depois de nos termos encontrado num jardim fresco de coimbra. eu sei que engordei e que nunca te dei os filhos que tinhas sonhado. mas também sei que nunca deixaste de encontrar os teus poemas noutras mulheres que passaram por ti. ambos sabemos disso. e ainda assim.
ainda assim, falo-te hoje do lado de dentro do amor. aquele que não grita na cozinha nem bate com a porta quando foge para ir tomar cervejas no café do bairro à hora do futebol. o lado que não faz renda na marquise quando há reuniões aos sábados de tarde. o lado que se deita contigo e que acorda às três da manhã. falo-te, estou partida por dentro. podes dizer, demoraste tanto tempo a chegar aqui, minha querida, mas eu sei o que me custou ter ficado também tanto tempo de dedo esticado a pedir-te boleia. ao menos hoje, diz-me boa noite.

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