Arquivo do extinto blogue Esferovite- a vida em pedaços (13-08-2003/ 4-01-2006)

quinta-feira, agosto 21, 2003

como se diz manhã em latim?

tenho a mania de me encher de brios a cada manhã, fazer planos para um monte de coisas sérias que terei que fazer durante as 18 horas seguintes, levantar-me cedo, tomar um banho, pôr perfume, lavar os dentes. Depois também tenho vontade de ser simpático para toda a gente, continuar a pensar que ainda posso salvar o mundo, resolver os problemas e as carências dos outros ( sejam de inteligência, sejam afectivas).
mas então vem aquela dormência que sentimos quando ainda estamos deitados na cama e os estores fechados nos permitem pensar que a noite é eterna e que ninguém vai fazer barulho na cozinha porque, simplesmente, todos vão dormir profundamente pela eternidade. é nessa hora que se ouve o gato a deitar um copo da mesa abaixo, a mãe a gritar com a desarrumação, a irmã a aumentar o som da Avril Lavigne até ao inaudível. nesses momentos penso que o mundo não precisa de arranjo.
depois, bem, depois o melhor é levantar os pés da cama e ligar o computador. não há melhor forma de começar o dia do que lendo e-mails. o problema é que nos deitámos às três da manhã e, vá-se lá saber porquê, nenhum dos nossos amigos internautas nos enviou palavras ou imagens entre as três e as dez da matina. Existem mistérios que eu não consigo resolver.
no café, de manhã, estão sempre as mesmas pessoas. um velho logo à porta e uma velha na mesa do fundo. entre um e outro um balcão imenso de um lado e umas mesas repetidas do outro. entre mim e o meu hábito de ler "A Bola" antes do meio-dia, muitas vezes o velho que se eterniza por detrás de imensas dioptrias, outras vezes desconhecidos a quem não reconheço o direito de irem ao "meu" café, ler o "meu" jornal, mas contra os quais nada posso. alguns dias ainda penso em dar uma de forte e tentar fazer um motim só para ler o jornal. nessas alturas apercebo-me de que o meu vício é perfeitamente recuperável. quando não leio o jornal, o pior que me pode acontecer é ficar à parte dessa imensa maioria de gente que sabe que pessoas que respondem ao nome de Pipoca, Comboio ou Akyofna, não vão poder jogar no próximo fim-de-semana porque estão lesionadas.
ao final da manhã, regresso a casa. sou capaz de ficar dias inteiros a olhar para o visor do telemóvel, com os minutos a passar no topo direito, a sigla tmn a meia altura, e o indicativo da minha região a passar, qual anúncio publicitário: 261 Torres ( e depois) Vedras. são essas as vantagens de se viver numa cidade que tem um nome maior do que um visor de um telemóvel. resisto, com alguma ansiedade, a contactar todas as pessoas da minha lista telefónica. fico à espera que alguém me ligue, que alguém tenha uma notícia importante para me dar, que alguém me convide para fazer alguma coisa interessante. treino a minha capacidade de manter os olhos abertos sem piscar durante uma série de minutos. tento hipnotizar os peixes que tenho no aquário. coço as costas (sabe-me bem coçar as costas). amanhã, se estiver bom tempo, compro "A Bola" e leio-a, inteirinha, em minha casa.

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